História

As referências mais antigas, relativas à devoção a Nossa Senhora do Cabo Espichel datam dos séculos XIV e XV. A primeira remonta a 1366, onde numa carta régia da chancelaria de D. Pedro I, são relatadas pela primeira vez a existência de romarias. Mas ao longo dos séculos a tradição oral e os relatos de vários intervenientes, a diferentes versões dos acontecimentos. Não podemos de qualquer modo deixar de constatar que o culto à Senhora do Cabo Espichel existe desde à longos séculos, independentemente da veracidade de alguns factos históricos.

Os acontecimentos do Cabo Espichel, segundo relatos lendários, baseiam-se nitidamente em duas lendas. Uma primeira lenda, em que a descoberta da Imagem da Virgem no promontório é atribuída a homens da Caparica, e numa segunda lenda, onde a descoberta é atribuída a um Saloio de Alcabideche (na margem norte do Tejo) e a uma velha da Caparica (na margem sul do Tejo). Nos painéis de azulejos de meados do século XVIII, da Ermida da Memória no Cabo Espichel, está inscrita de forma sucinta esta segunda lenda (a mais difundida ao longo dos tempos):

“Sonham dois venturosos velhos que aparecia a Senhora n´este logar. Põem-se a caminho para se certificarem da verdade, onde se encontram, e comunicam entre si os sonhos. Chegando a este sitio, vêem com admiração subir a Senhora pela rocha. Publicada por ellas a maravilha, vem outras em sua companhia para admirarem o prodígio.”

Aparição da Senhora do Cabo (painel 4 – Ermida da Memória). Painel de azulejo azul e branco, século XVIII.

Com o crescimento das romarias ao Cabo Espichel, a Ermida da Memória tornou-se insuficiente para acolher tantos romeiros. Dá-se então início, em 1495, à construção de um novo templo. Deste, atualmente não restam vestígios.

Em 1701, por iniciativa do rei D. Pedro II, iniciam-se os trabalhos da construção do atual santuário, onde o Infante D. Francisco e mais tarde o seu irmão, o rei D. João V, deram continuidade aos mesmos. Em 1707 a imagem da virgem é transladada para a nova igreja, realizando-se uma majestosa cerimónia presidida pelo Infante D. Francisco e acompanhada por muitos romeiros, não só das 30 freguesias do Círio dos Saloios, mas também de outros Círios.

Com o passar dos anos e com a finalidade de acomodar os romeiros que ao santuário se deslocavam, cada círio procedeu à construção de albergarias tanto na ala norte, como na ala sul. Atualmente encontram-se ambas as alas abandonadas e entaipadas.

Aspeto exterior do Santuário do Cabo Espichel. (2021) Fonte: Câmara Municipal de Sesimbra

Ermida da Memória (2022)

Autoria: Vítor Torres

Tudo indica que o Círio dos Saloios tenha tido o seu início em 1430. Inicialmente até ao século XVI teve como era conhecido por Círio do Bodo, e posteriormente no século XVIII, por Círio Real.

A primeira Confraria deste Círio data a sua fundação de 1432, sendo constituído inicialmente por 30 freguesias, mais tarde ao longo dos séculos, reduzem-se para 26 freguesias:

  • São Vicente de Alcabideche
  • São Romão de Carnaxide (substituída por Linda-a-Velha em 2012)
  • São Julião do Tojal
  • São Pedro de Penaferrim
  • Nossa Senhora da Misericórdia de Belas
  • Santa Maria de Loures
  • São Lourenço de Carnide (substituída por Arranhó em 2017)
  • Nossa Senhora da Purificação de Bucelas
  • São Pedro de Barcarena
  • São Pedro de Lousa
  • São Silvestre de Unhos (até 1711)
  • Santo Antão do Tojal
  • Nª Srª da Purificação de Oeiras (substituída por Bucelas em 2021)
  • Nossa Senhora do Amparo de Benfica
  • São Domingos de Rana
  • São João das Lampas
  • São Lourenço de Arranhó (até 1716, retoma em 2017)
  • Nossa Senhora da Purificação de Montelavar
  • Nossa Senhora de Belém de Rio de Mouro
  • Nossa Senhora da Ajuda de Belém
  • Ascensão e Ressurreição de Cascais
  • Santíssimo Nome de Jesus de Odivelas
  • São Martinho de Sintra
  • Santo André de Mafra (até 1722)
  • São Pedro de Almargem do Bispo
  • Santo Estevão das Galés
  • Nossa Senhora da Conceição da Igreja Nova
  • São João Degolado da Terrugem
  • São Saturnino de Fanhões
  • Santa Maria e São Miguel de Sintra

Excecionalmente, em 1704, a freguesia de Santa Maria dos Olivais participa no giro, a pedido do povo local. Mais tarde, as 30 freguesias refundam esta Confraria em 1672, fortalecendo o compromisso inicialmente estabelecido em 1432.

Nos primeiros três séculos do Círio dos Saloios, o cerimonial traduzia-se simplesmente na passagem de uma bandeira, entre as várias freguesias. Mas em 1751, uma pequena imagem peregrina da Virgem do Cabo Espichel, oferecida pelos mordomos da freguesia de São João Degolado da Terrugem, passa a integrar o giro.

A partir das últimas décadas do século XIX (1880-1890), o Círio dos Saloios deixara de ir ao Cabo Espichel, para se proceder à entrega da bandeira e da Imagem Peregrina, à freguesia seguinte. Até então, ao longo de mais de quatro séculos, cada freguesia que entregava e recebia o testemunho, deslocava-se ao Cabo Espichel na Quinta-Feira da Ascensão e aí permaneciam até Domingo, onde durante esses dias realizavam cerimónias religiosas e grandes arraiais. A partir do final do século XIX, a passagem do testemunho passa então a ser feita diretamente de freguesia para freguesia, realizando-se em cada uma delas, majestosas festas de acolhimento e despedida.

Ao longo dos séculos, o Círio dos Saloios sempre beneficiou da colaboração e de altos patrocínios da coroa portuguesa. Por várias ocasiões a família real participou e até integrou a Romaria da Senhora do Cabo. As duas últimas romarias em que a família real participara aconteceram em 1901 com a presença do Rei e da Rainha, bem como em 1903 em que a Rainha D. Amélia fora juíza honorária dos festejos.

Ao longo dos séculos as várias ofertas régias, engrandeceram e muito o tesouro da Senhora do Cabo do Círio dos Saloios, destacando-se as berlindas processionais (atualmente no Museu Nacional dos Coches). Uma primeira berlinda encomendada pelo Rei D. João V em 1740, e outra oferecida por D. Maria I datada dos últimos anos do século XVIII e utilizada no círio até 2005. Existem alguns registos que dão conta da existência de mais berlindas oferecidas tanto por romeiros como nobres e família real, mas que não chegaram até aos dias de hoje. Atualmente, uma vez limitada a utilização das berlindas régias, a imagem é transportada num andor encimado por um baldaquino datado de 1928 e oferecido pela freguesia de São Martinho de Sintra, que é adaptado tanto a veículos automóveis como a charretes.

Berlinda Processional, oferecida por D. Maria I, datada de finais do século XVIII

Berlinda Processional, encomendada por D. João V, em 1740